AUTO -ACUSAÇÃO
A trajetória de Bárbara Paz, atriz, cineasta e artista visual tem caráter singular e fundamental na multiplicidade do encontro das artes. Depois de viajar o mundo com seu primeiro documentário e trazendo inúmeros prêmios além de um Leão de ouro para o Brasil do Festival Internacional de Veneza 2019. Bárbara continua na sua busca inquietante, transitando entre o popular e o profundo, seja no teatro, cinema ou nas artes visuais. Oferecendo agora, nessa exposição seu corpo como sujeito. Num recorte muito peculiar através das suas marcas. Capítulos de sua vida e trajetória que atravessam o texto de Peter Handke - Auto-Acusação
Através desse Eu, de Peter Handke, Bárbara constrói o seu imaginário através de suas marcas e seus Eus.
Auto - Acusação
Texto de Cassiana Der Haroutiounian
Bárbara e seu coletivo de indivíduos, rasgado, escancarado, do avesso. Quais as fronteiras demarcadas por cada indivíduo em seu ser estar no mundo?
Que acontecimentos nos atravessam, nos marcam, nos fazem sangrar até que essas fronteiras se desmanchem e tudo se torne um único território?
Seu corpo, seu rosto e cada pedaço de seu ser mais absoluto como um território político: tudo acontece e é comunicado. Um corpo que imprime no fora o rasgar constante.
Um corpo que imprime no dentro o rasgar profundo.
É preciso desarmar os fragmentos de mundos entre si e em si mesmos para que a ebulição aconteça e permita esse diálogo entre corpo, terra e alma.
É preciso chegar perto, olhar minuciosamente os poros e costurar com linhas invisíveis. É preciso cicatrizar – ou não.
Uma escolha sobreposta por outra em uma pluralidade potente e dilacerante.
Algumas fecham por completo, outras insistem
em abrir vez ou outra, nos lembrando ainda mais que existem.
Uma escolha sobreposta por outra em uma pluralidade potente e dilacerante.
Algumas fecham por completo, outras insistem em abrir vez ou outra, nos lembrando ainda mais que existem.
Uma ferida escancarada com uma casquinha que nunca sai. Têm as cicatrizes que rasgam, que expõem pedaços obscuros do que foi.
Atravessam as múltiplas camadas de pele e nos deixam em carne-viva.
Mesmo em forma de cicatriz continuam jorrando história. Continuam escancarando um passado.
Uma cicatriz é sempre um passado e um presente. Mesmo que ainda pulse internamente, foi e é.
Carregamos junto da gente. A paisagem carrega junto dela. Cada uma tem seu começo, meio e fim.
Existe a diferença entre ser e ter sido. E se apropriar da própria história. E ela faz isso todos os dias, em todos os campos da arte em que transita.
Não são “eus” desconectados que habitam a performance, a câmera, a voz, a imagem em movimento, a fotografia. O choro veio pelo eu atriz,
a dor e as entranhas, pelo eu real. Um atravessar intermitente.
Há a Bárbara em carne-viva aqui.
Sem a fantasia da máscara e com a verdade de suas cicatrizes. Impressas em seu corpo. Impressas em seu acontecer.
Em cada uma das obras - instalações, fotografias, vídeos e palavras - expostas em sua primeira individual “Auto-acusação”, o medo de ser a Barbara
é movente.
Enquanto transmuta, suas memórias se ativam. De outros mundos, com outras criaturas. Enquanto sangra, suas memórias se prolongam. Enquanto rasga, escorre pó de vidro por sua corrente sanguínea.
Um vestígio de pele na própria pele. Narrativas sobre um corpo. Rasgos que se multiplicam, se transformam, se proliferam e voltam a rasgar.
Choram, soluçam, pulsam. Memórias cravadas na pele. na casa. na paisagem. Morte. Fim. Luto. Nascer. Começo. Festa.
Uma nova camada se forma.
O começo é o singular. Nascemos e morremos no eu absoluto. Transitar pela terra em um mundo que não o reverbere, amedronta.
Mas sim, habitar este eu na dor, no trauma e nas entranhas, exige coragem. Uma história pessoal contada através da imagem corre perigo. Aos 17 anos, seu rosto se partiu em dois. Uma fenda de pele atravessou seu eu. Sua cicatriz a fez mergulhar na imperfeição. 434 pontos na tentativa de se esconder do espelho e do outro.
Durante anos evitou o mais bonito em sua pele. Durante anos, sua verdade se mascarou.
“Me refiz conforme eu fiz; consegui me disfarçar, me esconder.” disse a cicatriz.
““Um fio segurou minhas metades. Um nervo manteve minhas partes. Decidi não tirar essa marca. Quem sou eu? Fiquei com medo de mim sem ela. Um vaso quebrado.” Bárbara Paz
exposições
Galeria Fonte finalizada
entro M. Arte Hélio Oiticica finalizada
Pavilhão Lucas Nogueira Garcez (OCA) finalizada
Appleton finalizada